Novo secretário diz que meta inicial é melhorar a gestão da Educação em Salvador
Entre os desafios do novo secretário estão a criação de um sistema pedagógico e escolar próprio.
Quem entrasse na sala de Guilherme Bellintani há três semanas - quando ele era o secretário municipal de Desenvolvimento, Turismo e Cultura e o presidente da Saltur - ia se deparar com uma parede tomada de papéis. Mais precisamente, 92: um para cada projeto da antiga Sedes, extinta em 2015 pela nova estrutura da prefeitura.
Post-its e bolinhas vermelhas, verdes ou amarelas indicavam o estágio de cada empreitada. “A maioria estava vermelha, mas nós escolhemos fazer muitos projetos”, diz ele, que foi responsável por novidades como a Casa do Rio Vermelho, o Furdunço, o Festival da Primavera e o Réveillon de Salvador.
Agora, a sala de Bellintani tem paredes vazias. Depois de passar o bastão na Secretaria de Cultura e Turismo para Érico Mendonça e para Isaac Edington na Saltur, ele assumiu a Secretaria Municipal de Educação e um novo gabinete.
Mas as paredes não estão vazias por falta de projetos - muito menos de metas. “Na sua próxima visita, eles (os papéis) já vão estar aí”, garantiu, quando conversou com a repórter, três dias após a posse.
Você já conseguiu desapegar ou ainda se vê pensando projetos para Cultura e Turismo
Quem disse que eu vou desapegar? (risos). Acho que não desapegarei nunca, mas não no sentindo de ficar pensando em projetos. É mais no sentido do legado mesmo, de gostar do que fiz. Mesmo quando sair da gestão pública, vou olhar com carinho para o que ficou.
E qual foi o maior legado que você acredita que deixou?
No sentido abstrato, o grande legado foi a secretaria ter liderado um processo, que foi da prefeitura como um todo, de fazer com que as pessoas voltassem às ruas. Essa marca ficou presente em todos os projetos, desde os eventos, festivais, a feira gastronômica. Mas o que eu tive sensação de concreto mesmo foi a Casa do Rio Vermelho, de Jorge Amado.
É o que eu tenho segurança de que daqui a 10 anos meus filhos poderão ir lá, sem depender do que vem pela frente, de outra gestão. Só tive dois momentos ruins na secretaria. Um foi a festa do Rio Vermelho do ano passado, com a zona de restrição comercial (de cerveja).
A zona de restrição no Carnaval é um negócio muito bem feito. Com a festa do Rio Vermelho, não era para ter feito. É muita mistura de patrocínio com a festa de Iemanjá. A gente não vai fazer de novo. E outro dia muito ruim foi a Conceição da Praia (quando o palco não pôde ser utilizado por falta de segurança). Foram dois dias de reflexão negativa.
A Educação tem uma série de problemas, e você estava em um lugar onde já tinha deixado sua marca. Quando veio a proposta, precisou pensar duas vezes?
Foi uma coisa que veio amadurecendo. Eu sempre coloquei para o prefeito (ACM Neto) que há duas coisas que eu não teria condição de fazer, por total inabilidade: uma secretaria da Fazenda ou uma secretaria de Saúde. E a Transalvador, de fato, eu não aceitaria.
Eu vejo Fabrizzio (Muller, superintendente da Transalvador) fazendo um excelente trabalho e, ainda assim, tendo um desgaste muito grande. Ou seja, é um lugar para quem tem mais coragem do que eu. Mas para qualquer outro lugar eu teria toda disposição.
No sábado do Festival de Jazz, você foi visto na Barra andando, sozinho, numa espécie de vistoria. Era uma despedida?
Eu estava testando o som (risos). A gente teve um problema no primeiro dia que não foi identificado pelo público. Então, no sábado, fiquei circulando para avaliar o som. Mas o Salvador Jazz foi uma espécie de despedida, a sensação de que ali estava acabando um trabalho.
No anúncio do secretariado, você disse que tinha feito um diagnóstico da Educação. Quais os problemas que identificou?
Alguns problemas são inerentes a uma estrutura desse tamanho. Mais de 140 mil alunos, 428 unidades escolares, 15 mil professores e servidores... Uma estrutura desse tamanho, por si só, já é diferente. Acho que a própria posição de Salvador no ranking educacional das capitais já é um indicativo de que rumos precisam ser corrigidos (Salvador ocupa o penúltimo lugar no ranking do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica — Ideb).
É comum que as cidades brasileiras adotem sistemas de prateleira. Salvador tem de construir um sistema próprio
Qual vai ser sua primeira grande medida ?
Não vai ter necessariamente grandes medidas. Vai ser uma soma de várias pequenas medidas. A primeira é tratar de coisas simples, que as coisas comecem a funcionar com mais fluidez e celeridade. E fazer a construção conjunta de um projeto pedagógico para a cidade.
É muito comum que as cidades brasileiras adotem sistemas de prateleira. Salvador tem que criar um sistema próprio de Educação. E tem total condição para isso. Essa é uma medida transformadora, mas será construída ao longo de dois anos.
E como isso pode ser feito?
É um desafio muito grande, porque todos os sistemas nacionais preveem escolas ou creches de uma dimensão muito maior do que nós somos capazes de fazer em Salvador. Por exemplo, as escolas do modelo do governo federal precisam ser construídas em terrenos de 2,8 mil m².
Agora vá procurar um terreno desses disponível em Pirajá ou na Liberdade. Não existe. Por isso, a prefeitura está preferindo apostar na construção própria de unidades menores, que atendem a um número menor de crianças. Hoje, se a gente tiver 100 mil vagas para creche, a gente preenche todas. Temos uma meta a cumprir de 30 mil vagas de 0 a 5 anos.
No começo do governo tínhamos oito mil vagas. Criamos sete, falta criar 23. Cem mil é impossível. Nenhuma cidade consegue atender toda a demanda de creche. O que a gente sabe é que 30 mil vagas para crianças na educação infantil mudam a história de 30 mil famílias.
O desafio é envolver a cidade nisso. Porque a cidade sabe quantos trios elétricos saem na Barra, mas não sabe quantos alunos tem na rede.
Como fazer com que a creche funcione direito?
Quando você estiver andando pela Graça e encontrar às 10h um aluno com a camisa da prefeitura andando, tem alguma coisa errada, porque a aula dele é de 8h às 12h. Em geral, o aluno da escola pública é um ser invisível para a classe média. Você encontra ele andando na Graça e não se questiona de nada. Se perguntarmos cinco escolas públicas municipais, ninguém sabe.
Mas nós sabemos onde é o Anchieta, o Módulo, o Oficina. A gente precisa saber onde estão as escolas municipais. Eles são nossos vizinhos e a gente não sabe. A partir do momento em que você sabe onde é a escola, em vez de fazer uma doação de alimentos para uma entidade – nada contra – que você nem sabe onde é, por que não ir ajudar a pintar a escola do seu bairro?
Eu não estou propondo uma gestão associativista. É uma obrigação do município fazer isso. Mas você vê pouco ou quase nenhum movimento coletivo em defesa da escola pública. Não vê. Não é moda. Tem de praça, mas não tem de escola. A praça é importantíssima, claro. Mas é porque ela impacta na classe média. A escola, não. Não toca.
Pretende fazer parcerias com a iniciativa privada para arrecadar dinheiro, como na Sedes?
Não é a prioridade. A primeira prioridade é gerir bem o volume razoável de recursos públicos que temos, que é perto de R$ 1 bilhão. É um recurso que está longe de ser o ideal, mas o plano imediato é saber gerir melhor esse recurso.
A prioridade é buscar experiências privadas que possam melhorar a gestão pública. Um exemplo que vem do próprio sistema da rede é a merenda: nós temos que comprar o gênero alimentício, ter o prato, o gás, o fogão. Se uma dessas coisas não funciona, impacta a merenda.
O ideal é que a gente tenha o começo, meio e fim num processo único, com uma única empresa fazendo isso, porque vai ser responsabilidade dela. A rede, hoje, é montada em um sistema retalhado, quando o correto é adquirir o resultado. Quanto mais a gente conseguir resolver essa operação, mais focamos no pedagógico, que é o transformador. Tem que mudar o modelo.
Isso é para agora?
Isso é imediato. A gente vai ter uma grande melhoria com o sistema pedagógico. Tem redes privadas muito menores que a nossa que tem um sistema pedagógico próprio. Por que uma rede com 140 mil alunos não pode ter um sistema pedagógico próprio, construído por professores, por especialistas, a partir de experiencias nacionais e internacionais bem desenvolvidos?
Daqui a dois anos, também é possível que a gente tenha uma Companhia Municipal de Arte e Educação. Temos cerca de 400 professores que ensinam arte e que querem fazer um trabalho diferenciado e não conseguem.
Como conter a evasão escolar (3,3% no Ensino Fundamental I e 4,1% no Fundamental II)?
Há uma evasão recorrente, que é da falta de encantamento. É preciso dar encantamento com um conjunto de coisas, entregar um projeto melhor, fazer com que a merenda funcione melhor, o professor ensine melhor, o ambiente físico esteja bem cuidado. Outros encantamentos devem vir do projeto pedagógico, que é o envolvimento com a rede e professores, desse projeto de arte e cultura, de entender que a rede é sua.
Como pretende estimular os professores?
Os professores têm um histórico recente de conquista que mostra claramente a confiança que eles podem ter no projeto da gestão municipal. Acontece que isso precisa vir também a partir de outras coisas. O professor não quer só um bom salário e não acho que ele tenha um salário que ele mereça, apesar dos avanços.
Como qualquer um de nós, o professor vai se sentir estimulado se tiver um bom ambiente de trabalho, quando sente que o trabalho é reconhecido pelos pais de alunos, quando vê resultado, e cada vez que um professor vê um aluno lendo, aquele é o combustível principal. O que a gente precisa avançar e conquistar é que o professor tenha participação direta no futuro da rede. O sistema pedagógico próprio só vai acontecer se os professores, de fato, quiserem e liderarem isso.
Os professores terão metas?
É preciso ter metas, mas não uma meta imposta. A meta imposta é a ausência de meta. Eu pretendo conversar com os professores sobre metas desde que sejam metas nossas, tipo melhoria de qualidade, como melhoria do Ideb. Mas se os professores entenderem que não têm por que assumir esse compromisso, isso não vai acontecer.
Se nós perguntarmos o nome de cinco escolas municipais, ninguém sabe. Mas sabe o das particulares
Mas a secretaria tem metas?
Muitas (risos). O maior desafio é a gente conseguir envolver a rede num projeto consistente. Senão, não tem meta certa. Se não for envolvimento coletivo, vai ser meta para botar só no papel e no livrinho do planejamento estratégico e o aluno vai continuar sendo invisível às 10h. A qualidade em sala de aula não é simplesmente a qualidade do conteúdo que o professor transmite.
Temos informações de que as escolas que adotaram o sistema Alfa e Beto (18% das 428) têm resultado superior às escolas que não adotaram. O Alfa e Beto é o sistema ideal? Não. O sistema ideal é o que nasce da própria rede. Mas ter um sistema bem concebido é relevante no resultado final.
E seria muito disperso da minha parte achar que o encantamento vai resolver tudo. O encantamento é um envolvimento, mas tem questões e objetivos. É preciso ter maior quantidade de horas em sala de aula, que o professor esteja com uma formação cada vez melhor, que ele tenha oportunidade de se formar. É preciso ter rigor com a presença do professor e a presença do aluno na escola. É preciso saber reagir à evasão do aluno. É preciso ter controle sobre os processos.
Em outras entrevistas, você já disse que não tinha interesse em seguir carreira política. Mas seu nome sempre é citado, quando se fala em uma sucessão municipal. Já começou a considerar a possibilidade como algo mais forte do que sua vontade?
Eu gostei muito e estou gostando muito do que estou fazendo, mas tenho uma vida empresarial e profissional fora da gestão pública para a qual eu preciso voltar. Meus sócios falaram ‘vá, mas volte logo’. No plano público, eu vim cumprir uma missão, mas tem milhões de pessoas vinculadas à política e à gestão pública que têm uma política partidária que eu não tenho. Se houvesse uma fila, essas pessoas estariam à frente.
Como é que você consegue administrar quatro filhos, 17 empresas e o trabalho na prefeitura?
Não são 17. Já diminuí muito. Tenho empresas na área de educação e na área imobiliária. Eu sou uma pessoa muito intensa. Então, perguntar se é tranquilo, não é. Sou intenso o suficiente para levar os problemas para casa. Essa coisa de dividir trabalho e lazer nunca foi muito clara para mim.
Eu diria que, de tudo do trabalho, o que mais me incomoda é não ter mais tempo para os meus filhos e para minha mulher. Hoje, dedico no máximo duas horas por semana à atividade privada. Mas o aprendizado compensa. Nem nos dias mais nervosos, me arrependo.
Quando você precisa tomar uma decisão importante – como mudar de secretaria – a quem pede opinião?
À minha mulher. A opinião dela vem sempre cuidando para me estimular.
Esse ano, o Carnaval ainda vai ter algum dedo seu?
Não, já entreguei tudo. Se eu pudesse, viajaria. Tem gente de sobra para cuidar do Carnaval.
Vai aproveitar para curtir?
Adoro Carnaval. Todo ano, até virar secretário, eu saía vestido de mulher no bloco As Coisinha. Saía de mulher na sexta; no sábado, saía no Nana Banana, e ainda seguia Moraes Moreira ou o Mascarados. Depois que virei secretário, só andava de moto para cima e para baixo atrás dos problemas.
Esse ano, dá para voltar. Não sei se de mulher, porque seria fotografado pelo CORREIO (risos). Mas para ouvir Moraes Moreira e os Mascarados vai dar, com certeza.
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